terça-feira, 13 de dezembro de 2016

PROFESSOR-PESQUISADOR OU PROFESSOR-PRÁTICO?

A prática docente deveria ser a rainha de um curso de licenciatura em História, mas atualmente é tratada como plebeia
Ariel Feldman

É uma indagação comum nos cursos de licenciatura em História – local responsável por formar professores para educação básica e não candidatos aos programas de pós-graduação – se a faculdade deve se dedicar mais à pesquisa histórica ou ao ensino de história. Como é sabido, todo currículo é permeado por relações de poder (APPLE, 1982) e qualquer atividade formativa envolve uma tomada de decisão. Se puxar muito o cobertor para um lado, ele pode ficar descoberto na outra ponta.
 Destaque-se, primeiramente, que um professor de crianças e adolescentes com noções básicas de pesquisa e operação historiográfica será um profissional melhor.
A Educação Histórica (LEE, 2003, 2005 e 2006; BARCA, 2006), corrente de pensamento surgida na Grã-Bretanha e que está para o ensino de História assim como os Annales estão para a pesquisa, defende que não basta os professores se preocuparem em vencer o conteúdo, como é muito comum aqui no Brasil. Denis Shemilt (apud. ASHBY, 2006, p. 169) alerta que a “História não é – e não pode aspirar a conduzir a – uma verdadeira pintura sobre o passado (mesmo porque não há um original contra o qual a ocorrência desta pintura possa ser checada).” Por isso, é necessário que o aluno saia da educação básica compreendendo como é construído o conhecimento histórico, sem que para isso ele precise se tornar um pequeno historiador. Um professor versado na operação historiográfica é mais qualificado para relativizar, com crianças e adolescentes, a falsa premissa da objetividade histórica, sem cair em um relativismo pueril.
Assim, é equivocado discutir o que é mais importante na formação inicial do professor de História, se experiência com pesquisa ou a prática docente. Ambas as dimensões são essenciais.
Contudo, é inegável que uma dessas dimensões esteja escanteada, a saber, a prática reflexiva (PERRENOUD, 2002) cotidiana com alunos reais entre 11 e 17 anos (e o que dizer do EJA!). Cristiana Bereta da Silva (2010)  - em pesquisa de caso na UDESC e valendo-se do pensamento Foucaltiano – constatou uma relação de poder instituída no discurso de alunos e professores do curso de licenciatura em História. Num patamar superior estava a pesquisa, geradora de conhecimento. Hierarquicamente inferiorizado e subordinado à pesquisa eram enxergadas as atividades desenvolvidas no chão da sala de aula da educação básica.
O estágio supervisionado – que me desculpem as honrosas exceções – é uma piada. A Prática como Componente Curricular (PCC), prevista em lei para articular teoria à docência, é letra morta. (LOPES, 2015).
Os professores universitários pouco se envolvem no cotidiano da educação básica  (FELDMAN e JÚNIOR, 2016). Não os culpo, pois sou um deles. Trata-se de uma acomodação natural, pois somos, em grande parte, aqueles que ascenderam socialmente ao sair da quentura da sala de aula (a amazônica é terrível). Já imaginaram um cirurgião que não opera há décadas ensinando? Ou um engenheiro que não constrói dando lições?
Valorizemos o que atualmente as licenciaturas em História têm de bom, pois elas são excelentes bacharelados. Não joguemos fora a água do banho junto com o bebê. É preciso, contudo, acrescentar uma pitada – uma boa pitada – de prática. Que a atividade com alunos reais seja enobrecida. Que a docência cotidiana seja o escopo de um curso de formação de professores, porque, caso contrário, qualquer discurso que pregue a valorização da educação básica torna-se hipócrita no seu nascedouro.

Ariel Feldman é professor do curso de licenciatura e História da UFPA (Campus Cametá).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APPLE, Michael W. Apple. História do currículo e o controle social. In: APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982 [1979], pp. 95-123.
ASHBY, Rosalyn. Desenvolvendo um conceito de evidência histórica: as idéias dos estudantes sobre testar afirmações factuais singulares. Educar, Curitiba, Especial, p. 151-170, 2006. Editora UFPR.

BARCA, Isabel. Literacia e consciência histórica. Educar, Curitiba, Especial, p. 93-112, 2006.

FELDMAN, A
riel; JUNIOR, José do Espírito Santo Dias. Para Romper com a Hierarquia e a Dicotomia entre Teoria e Prática: relato de experiência do PIIBID-HISTÓRIA (UFPA, CAMPUS CAMETÁ). In: Marilena Loureiro da Silva; Luiza Nakayama; Marcia Aparecida da Silva Pimentel; Maria de Fátima Vilhena da Silva. (Org.). Novos Saberes e Fazeres nas Políticas e Práticas de Formação Docente: Construindo Diálogos entre o Ensino Superior e a Educação Básica no Estado do Pará. Belém: UFPA, 2016, p. 373-390.
LEE, Peter. Em direação a um conceito de Literácia Histórica. Educar, Curitiba, Especial, p. 131-150, 2006.

 LEE, Peter. Putin Principles into Practice: Understanding History. In: M. Donovan & J. Bransford (Eds.). How Students Learn. History, Matematics, and Science in the Classroom (pp. 31-78). Washington, DC: The National Academies Press, 2005.

LEE, Peter. “Nós fabricamos carros e eles tinham que andar a pé”: compreensão das pessoas do passado. In: BARCA, Isabel(org.). Actas das Segundas Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Minho, Portugal: Centro de Investigação em Educação. Instituto de Educação e Psicologia, 2003.

LOPES, Jackeline Silva. Da grade à concepção: a Prática como Componente Curricular nos cursos de licenciatura da UNEB e UEFS. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis, julho de 2015. 

PERRENOUD, Phillipe. A prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.


SILVA, Cristiane Bereta da. Atualizando a Hidra? O estágio supervisionado e a formação docente inicial em história. Educação em Revista, v. 26,  n. 01, 2010,  p.131-156.

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