A prática docente deveria
ser a rainha de um curso de licenciatura em História, mas atualmente é tratada
como plebeia
Ariel Feldman
É uma indagação comum nos cursos de
licenciatura em História – local responsável por formar professores para
educação básica e não candidatos aos programas de pós-graduação – se a
faculdade deve se dedicar mais à pesquisa histórica ou ao ensino de história.
Como é sabido, todo currículo é permeado por relações de poder (APPLE, 1982) e
qualquer atividade formativa envolve uma tomada de decisão. Se puxar muito o
cobertor para um lado, ele pode ficar descoberto na outra ponta.
Destaque-se, primeiramente, que um professor de
crianças e adolescentes com noções básicas de pesquisa e operação
historiográfica será um profissional melhor.
A Educação Histórica (LEE, 2003, 2005 e 2006;
BARCA, 2006), corrente de pensamento surgida na Grã-Bretanha e que está para o
ensino de História assim como os Annales estão
para a pesquisa, defende que não basta os professores se preocuparem em vencer o
conteúdo, como é muito comum aqui no Brasil. Denis Shemilt (apud. ASHBY, 2006,
p. 169) alerta que a “História não é – e não pode aspirar a conduzir a –
uma verdadeira pintura sobre o passado (mesmo porque não há um original contra
o qual a ocorrência desta pintura possa ser checada).” Por isso, é necessário
que o aluno saia da educação básica compreendendo como é construído o
conhecimento histórico, sem que para isso ele precise se tornar um pequeno
historiador. Um professor versado na operação historiográfica é mais
qualificado para relativizar, com crianças e adolescentes, a falsa premissa da
objetividade histórica, sem cair em um relativismo pueril.
Assim, é
equivocado discutir o que é mais importante na formação inicial do professor de
História, se experiência com pesquisa ou a prática docente. Ambas as dimensões
são essenciais.
Contudo, é inegável que uma dessas dimensões esteja escanteada, a saber,
a prática reflexiva (PERRENOUD, 2002) cotidiana com alunos reais entre 11 e 17
anos (e o que dizer do EJA!). Cristiana Bereta da
Silva (2010) - em pesquisa de caso na
UDESC e valendo-se do pensamento Foucaltiano – constatou uma relação de poder
instituída no discurso de alunos e professores do curso de licenciatura em
História. Num patamar superior estava a pesquisa, geradora de conhecimento.
Hierarquicamente inferiorizado e subordinado à pesquisa eram enxergadas as
atividades desenvolvidas no chão da sala de aula da educação básica.
O estágio supervisionado – que me desculpem as
honrosas exceções – é uma piada. A Prática como Componente Curricular (PCC),
prevista em lei para articular teoria à docência, é letra morta. (LOPES, 2015).
Os professores universitários pouco se
envolvem no cotidiano da educação básica
(FELDMAN e JÚNIOR, 2016). Não os culpo, pois sou um deles. Trata-se de
uma acomodação natural, pois somos, em grande parte, aqueles que ascenderam
socialmente ao sair da quentura da sala de aula (a amazônica é terrível). Já
imaginaram um cirurgião que não opera há décadas ensinando? Ou um engenheiro
que não constrói dando lições?
Valorizemos o que atualmente as licenciaturas
em História têm de bom, pois elas são excelentes bacharelados. Não joguemos
fora a água do banho junto com o bebê. É preciso, contudo, acrescentar uma
pitada – uma boa pitada – de prática. Que a atividade com alunos reais seja
enobrecida. Que a docência cotidiana seja o escopo de um curso de formação de
professores, porque, caso contrário, qualquer discurso que pregue a valorização
da educação básica torna-se hipócrita no seu nascedouro.
Ariel Feldman é professor
do curso de licenciatura e História da UFPA (Campus Cametá).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
APPLE, Michael W. Apple. História do
currículo e o controle social. In: APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982 [1979], pp.
95-123.
ASHBY,
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estudantes sobre testar afirmações factuais singulares. Educar, Curitiba, Especial, p. 151-170, 2006.
Editora UFPR.
BARCA, Isabel. Literacia e consciência histórica. Educar, Curitiba, Especial, p. 93-112, 2006.
FELDMAN, Ariel; JUNIOR, José do Espírito Santo Dias. Para Romper com a Hierarquia e a Dicotomia entre Teoria e Prática: relato de experiência do PIIBID-HISTÓRIA (UFPA, CAMPUS CAMETÁ). In: Marilena Loureiro da Silva; Luiza Nakayama; Marcia Aparecida da Silva Pimentel; Maria de Fátima Vilhena da Silva. (Org.). Novos Saberes e Fazeres nas Políticas e Práticas de Formação Docente: Construindo Diálogos entre o Ensino Superior e a Educação Básica no Estado do Pará. Belém: UFPA, 2016, p. 373-390.
LEE, Peter.
Em direação a um conceito de Literácia Histórica. Educar, Curitiba, Especial, p. 131-150, 2006.
LEE,
Peter. Putin
Principles into Practice: Understanding History. In: M. Donovan & J.
Bransford (Eds.). How Students Learn.
History, Matematics, and Science in the Classroom (pp. 31-78). Washington, DC: The National Academies Press, 2005.
LEE, Peter. “Nós fabricamos carros e
eles tinham que andar a pé”: compreensão das pessoas do passado. In: BARCA,
Isabel(org.). Actas
das Segundas Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Minho, Portugal: Centro de
Investigação em Educação. Instituto de Educação e Psicologia, 2003.
LOPES, Jackeline Silva. Da grade à
concepção: a Prática como Componente Curricular nos cursos de licenciatura da
UNEB e UEFS. Anais do XXVIII Simpósio
Nacional de História. Florianópolis, julho de 2015.
PERRENOUD, Phillipe. A prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e
razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SILVA, Cristiane Bereta da. Atualizando a Hidra? O
estágio supervisionado e a formação docente inicial em história. Educação em Revista, v. 26, n. 01, 2010,
p.131-156.
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